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domingo, novembro 14, 2010

Nascimento da Psiquiatria na Europa e no Brasil (comparativamente)

Nascimento da Psiquiatria na Europa...

No séc. XVII, foram criadas várias casas de internamento na Europa, os loucos eram retirados do seio da sociedade e trancafiados nestes lugares. Existiam as chamadas “cartas régias”, prática de poder arbitrário do rei, estas determinavam que algumas pessoas eram loucas e, portanto, deveriam ser internadas. Os loucos viviam acorrentados e isolados, destituídos de qualquer contato com o mundo.

No séc. XIX, Philippe Pinel (1745-1827), médico francês, considerado o pai da Psiquiatria, surge com uma proposta de desacorrentar os loucos, libertá-los. Os sujeitos, na verdade, permaneceriam internados, mas agora num novo espaço, com uma nova proposta. Há certo consenso que aponta Pinel como introdutor do enfoque clínico na Psiquiatria e, a partir dele, se constituiria um campo asilar puro. Ele mostra que a selvageria não estava nos loucos, mas na forma brutal como vinham sendo tratados e que as péssimas condições a que eram submetidos tornava-os raivosos, agitados, agressivos e pouco cooperantes. Portanto, na virada do séc. XVIII para o séc. XIX nasce na Europa a Psiquiatria como primeira especialidade médica. O nascimento da Psiquiatria é concomitante ao nascimento do asilo.

Antes de Pinel a loucura se misturava a outros “doentes” (doentes de fato, mendigos, prostitutas...) dentro de hospitais gerais sob o governo de religiosos e pessoas caridosas; os hospitais gerais eram uma espécie de instrumento misto de exclusão, assistência e transformação espiritual, em que a função médica não aparecia.

Posteriormente é proposto um tratamento para loucura, este louco é levado para um espaço diferenciado a ele destinado – o asilo.

Pinel acreditava na existência de alguma razão nos loucos, logo estes eram passíveis de tratamento. O tratamento da loucura ganha uma abordagem científica e o espaço asilar constitui-se num espaço prioritariamente médico e não mais religioso. A loucura é designada alienação, o que dá a idéia de um estado transitório, o sujeito está alienado de sua natureza, de sua consciência, de sua verdade, razão e moral. A cura consistia na estabilização de um tipo social moralmente reconhecido e aprovado.

Para Pinel a loucura era uma doença de caráter físico e moral. No asilo, tratava-se das questões corporais e, principalmente, das chamadas causas morais, ou seja, as paixões descontroladas, ardentes ou pervertidas que estariam na base da insanidade.

O tratamento moral consistia em confrontar o louco com sua própria loucura. Algumas práticas eram: exercícios ao ar livre, passeios regulares, trabalho no jardim, oficinas de flores, oficina de costura, “banhos terapêuticos”, entre outros.

O trabalho era proposto aos alienados, não por sua utilidade prática ou valor de produção, mas por sua função de reformador moral. “O trabalho possui uma força de coação superior a todas as formas de coerção física, uma vez que a regularidade das horas, as exigências de atenção e a obrigação de chegar a um resultado separam o doente de uma liberdade de espírito que lhe seria funesta e o engajam num sistema de responsabilidade.” (Foucault, 2004, p. 480)

Nascimento da Psiquiatria no Brasil (comparativamente ao processo europeu)...

No Brasil, até o séc. XIX, os loucos viviam nas ruas ou eram recolhidos em prisões quando estavam muito agitados. Quando os loucos pertenciam a famílias ricas eram recolhidos em aposentos nos fundos de sua própria casa ou mandados para tratamento na Europa.

Em 1852 temos o marco do início da atividade psiquiátrica no Brasil com a inauguração, no Rio de Janeiro, do Hospício de Pedro II, no bairro da Praia Vermelha, cujo mentor de sua construção foi o provedor-geral da Santa Casa de Misericórdia, José Clemente Pereira (1787-1854). (Teixeira, 1997, p.42)

Enquanto na Europa o nascimento da Psiquiatria estava relacionado à criação de uma nova abordagem de tratamento com enfoque médico para a loucura, a criação da Psiquiatria no Brasil vem como resposta a reclamações dos médicos quanto ao fato de os loucos ficarem circulando pelas ruas, o que era uma ameaça à ordem e à higiene públicas (medida de proteção social); e também diante de reclamações dos maus tratos que estes sofriam na Santa Casa, hospital geral. “O hospital da misericórdia tem cellas destinadas a recolher os maníacos? Sim, é verdade, mas que distancia vai dessas gaiolas humanas, postas na vizinhança de um cemitério, e por baixo de enfermarias ajoujadas de doentes...” (Paim, Isaías – primórdio da Psiquiatria no Brasil – op. Cit. p. 7, apud Teixeira, 1997).

A proposta de criação do hospício Pedro II tratava-se, em primeiro lugar, de mostrar à civilização européia que o Brasil estava em sintonia com sua modernidade, uma vez que a Europa vivia a “idade de ouro do Alienismo”. No Brasil, a criação do asilo vem para afirmar nossa “modernidade” e é um ato político, que celebra a maioridade de Pedro II, ao final de um conturbado período regencial. Portanto, o nascimento da Psiquiatria brasileira apresentou motivações distintas da européia.

Enquanto na Europa o manicômio nasce como algo que se diferencia do hospital geral, por seu público e terapêutica, no Brasil, este nasce com cara de hospital geral e demora para se livrar do comando religioso, uma vez que, ao ser inaugurado, a administração do hospício foi subordinada à Santa Casa. A eficácia do hospício brasileiro rapidamente foi questionada, tendo em vista às péssimas condições que este oferecia, sempre superlotado, não havia uma população exclusiva de loucos definida por critérios científicos e tratados adequadamente e haviam também loucos ainda não recolhidos ao hospício.

Na Europa, durante a primeira metade do séc. XIX, rapidamente se chegou a um consenso de que o manicômio, por si só, seria o instrumento de cura e a reclusão uma medida médica necessária. Já no Brasil o discurso alienista impôs-se e organizou-se de forma bastante lenta e é só no final do séc. XIX que a gestão do asilo ganha um discurso científico.

Teixeira Brandão (1854-1921) foi o médico alienista que inaugurou a Psiquiatria como prática científica, médica, no Brasil, quando de sua posse na direção do hospício em 1887, por apoio do Barão de Cotegipe, que havia sido provedor da Santa Casa da Bahia, portanto, conhecia o problema dos alienados e tornou-se protetor político de Brandão.

Brandão criticava a ausência de um tratamento moral para os alienados, a violência a que os pacientes eram submetidos, a superlotação do Hospício e sua população não específica (aos loucos misturavam-se pensionistas, outros tipos de doentes e apadrinhados de seu provedor). Portanto, quando a administração do hospício passa a suas mãos, ele remodela essa administração, retira o poder das irmãs da Santa Casa e toma uma série de medidas visando a um tratamento da alienação pautado em termos científicos, passando a ser tema de responsabilidade prioritariamente médica, todo o poder aos alienistas.

Bibliografia:
SERPA Jr, O.D. 1999 “Sobre o nascimento da psiquiatria”. In: Cadernos do IPUB No 3. Instituto de psiquiatria. RJ, UFRJ, pp.25-41.
FOULCAULT,M. 2004. História da Loucura. SP. Ed Perspectiva.
TEIXEIRA, M.O.L. 1997. Nascimento da Psiquiatria no Brasil. In: Cadernos do IPUB Nº8 RJ, UFRJ

* Texto escrito por Jéssica Calderon
(Trabalho I do Módulo Comum, do curso de Especialização em Psicogeriatria do IPUB/UFRJ)

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