A gente cresce na relação com o outro.

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segunda-feira, novembro 29, 2010

Nós e o dinheiro (para mulheres)




As mulheres têm, sim, muita dificuldade para manter a conta bancária no azul, investir corretamente e planejar seu futuro com tranquilidade. Especialistas no assunto explicam por que isso acontece.
Texto • Melissa Diniz // Fotos: istockphoto

Existe uma idéia recorrente no imaginário popular de que nós, mulheres, somos muito boas para gastar, mas péssimas para investir nosso dinheiro. Não resistimos a uma liquidação, adoramos o cartão de crédito e não pensamos duas vezes em pagar caro por um presente. Mas dificilmente conseguimos planejar nossa aposentadoria ou fazer uma aplicação rentável sem depender do pai, do marido ou do gerente do banco.

Parece preconceito, mas não é. No livro As Mulheres e o Dinheiro (ed. Nova Fronteira), a escritora e apresentadora de TV norte-americana Suze Orman, autora de seis best-sellers sobre finanças, afirma que relutou muito até aceitar que, sim, o sexo feminino tem uma grande dificuldade em administrar suas contas e investimentos. Ela mudou de idéia após se deparar com inúmeros casos de amigas e parentes que viviam endividados, independentemente do quanto ganhassem, e decidiu estudar o assunto.

O que não passava de uma impressão revelou-se uma verdade quando uma pesquisa, realizada por uma seguradora norte-americana, em 2006, demonstrou que 90% das mulheres do país se sentiam inseguras sobre os próprios rendimentos e temiam perder tudo o que tinham conquistado. Segundo Suze, o principal motivo para isso é, de fato, uma questão de gênero: nossa natureza é dócil, frágil e maternal. Já o mercado financeiro é um terreno arenoso, onde, para sobreviver, é preciso certa dose de agressividade, característica essencialmente masculina.
Nada mais natural, então, do que deixarmos as contas e planejamentos futuros para eles. Afinal, nossas prioridades são outras, não menos importantes. Para o psicoterapeuta junguiano Waldemar Magaldi, autor do livro Dinheiro, Saúde e Sagrado (ed. Eleva Cultural), faz parte da essência feminina dar mais importância aos relacionamentos interpessoais do que a questões da vida prática. “Por produzir em abundância o hormônio oxitocina, responsável pelos vínculos afetivos e amorosos, a mulher, instintivamente, é orientada a encontrar um provedor e está muito mais voltada para cuidar do matrimônio que do patrimônio”, afirma.

A oxitocina, conhecida como hormônio do amor, é produzida ao longo de nossa vida, mas liberada em altas doses quando estamos apaixonadas, amamentando e no momento do parto. É ela que desperta em nós o instinto de cuidar. Essa substância também pode alterar nossa capacidade de tomar decisões financeiras. “A grande maioria das mulheres põe a família em primeiro lugar. Não é raro ver que, em uma lista de prioridades que inclua filhos, marido e irmãos, elas se coloquem por último”, afirma a psicóloga Eliana Bussinger, mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas e autora dos livros As Leis do Dinheiro para Mulheres e A Dieta do Bolso (ambos da ed. Elsevier/Campus). Em última instância, isso significa que, na dúvida entre comprar um presente para agradar alguém e poupar dinheiro para uma eventualidade, provavelmente vamos ficar com a primeira opção.

O peso da cultura

Não se trata de falta de inteligência, mas de uma herança cultural que nos assombra. “As mulheres cuidam até que muito bem do que costumo chamar de pocket money, dinheiro relativo às despesas diárias, semanais ou mensais da casa. O problema maior está associado à administração financeira de prazo mais longo, função que, historicamente, ficava a cargo dos homens”, afirma Eliana.

É bom lembrar que, na clássica divisão social de papéis, os homens sempre foram os provedores. Durante séculos, vivemos em uma sociedade patriarcal em que eles detinham o poder, principalmente no que dizia respeito ao dinheiro. “As mulheres de 40 a 50 anos ainda hoje sofrem com os reflexos desse modelo antigo e podem não se sentir autorizadas ou competentes para administrar suas próprias finanças”, explica a psicoterapeuta de casal e de família Lana Harari, especialista em psicologia financeira.

É bem verdade que esse cenário se modificou rapidamente nas últimas décadas. Desde 1970, período do milagre econômico no Brasil, muitas mulheres vêm se tornando chefe de família, mas tal alteração ainda é recente para nós. Essa é a opinião da psicanalista Márcia Tolotti, especialista em psicologia organizacional e do trabalho e autora do livro As Armadilhas do Consumo (ed. Elsevier/Campus). Para ela, a entrada tardia das mulheres no mercado de trabalho criou um consenso difícil de ser mudado. “Quando a cultura reforça uma situação, estabelece-se uma espécie de verdade. As mulheres foram tachadas de desconhecedoras das finanças e esse aspecto reverberou por décadas, tornando-se uma espécie de mantra”, diz.

Cabe a nós a ingrata tarefa de romper com esse paradigma ainda vigente e jogar por terra a carapuça de más investidoras. O peso desse rótulo, explica Márcia, nos impedede aceitar que podemos ganhar mais: “Se você acredita que não pode, não pode mesmo”, acrescenta. Ainda hoje, a remuneração feminina, em todo o mundo, representa 30% a menos que a dos homens nas mesmas funções.

O papel das crenças

Em suas pesquisas, Suze Orman constatou que as crenças pessoais e a religião podem também, em alguns casos, dificultar bastante o sucesso financeiro feminino. Muitas mulheres temem ser consideradas materialistas e egoístas quando enriquecem. Isso porque, diante de dilemas como aquele de comprar ou não o presente, elas optam por fazer uma reserva e investir no futuro. Mas, paradoxalmente, com a prosperidade vem a culpa.

O sentimento de culpa atrelado ao sucesso está fortemente enraizado na sociedade brasileira, explica Eliana, mas de maneira controversa. “Ao mesmo tempo que exaltamos a riqueza, desprezamos os que têm dinheiro. Somos empurrados a crer que as pessoas ricas e bem-sucedidas são desonestas e que há algo especial em ser pobre”, avalia.

A psicoterapeuta Lana Harari lembra que a influência cristã muitas vezes nos faz associar dinheiro a pecado, opondo a riqueza material à espiritual em ensinamentos como “é mais fácil um camelo atravessar o buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”. Esses ideais passam de geração a geração, formam valores e fundamentam decisões que podem, na verdade, refletir atitudes que vão desde o comodismo, o esbanjamento até a generosidade, o egoísmo ou a prosperidade.

Assim como a religião nos influencia, a relação de nossa família com o dinheiro acaba se tornando uma espécie de padrão. Ou seja: todas nós herdamos um modelo financeiro de nossos pais e podemos decidir repeti-lo ou não. Isso vai depender de informações e exemplos que recebemos fora do universo familiar ao longo de nossa vida e da liberdade que temos para definir nosso rumo financeiro.

Em alguns casos, o histórico familiar pode se tornar uma espécie de sina. “Em minha prática clínica, vejo freqüentemente pessoas serem dominadas pela vida não vivida ou mal vivida de seus pais ou ancestrais, o que as impede de conquistar sua realização existencial. E, quando há sucesso ou fracasso financeiro envolvido, parece que essa temática fica ainda mais forte”, explica Magaldi.

Sem contar os modelos sociais femininos com os quais nos identificamos. A neurociência já comprovou que somos influenciadas por nossa mãe, nossas avós e pela sociedade feminina em geral e acabamos nos comportando de modo semelhante. “Tal fato se deve à ação dos neurônios-espelho, que nos impelem a imitar outras pessoas de maneira inconsciente”, afirma Márcia.

Talvez por isso a relação feminina com o dinheiro tenha se tornado um fenômeno de massa: a maioria de nós, mulheres, compra em demasia, não se prepara para a velhice, gasta mais do que pode com a casa e com os filhos e não acredita em sua própria capacidade de enriquecimento.

No que se refere ao consumismo, mais uma questão importante aparece: a pressão atual da moda e da beleza. “Infelizmente, muitas mulheres acabam cedendo a esse apelo mercadológico e consomem objetos para continuarem sendo objetos”, afirma Magaldi.

Maturidade financeira

A relação que temos com o dinheiro, diz Lana, é sempre emocional, constrói-se desde a infância e continua se formatando pela vida afora. Na opinião de Suze, o dinheiro é uma extensão de nós mesmas. Assim, um patrimônio duradouro e consistente só é possível quando temos a auto-estima bem estruturada. Em outras palavras: quando nossa auto-imagem é bem resolvida e temos segurança emocional, corremos menos risco de gastar por impulso em liquidações e nos vitimar pelo consumismo exagerado em busca de consolo ou de aprovação social.

O impacto das finanças em nossa vida não para por aí. Nós sabemos que, quando nossas questões econômicas estão fora de controle, tudo parece ficar mal. “A saúde física e mental são afetadas, os relacionamentos se modificam, o sexo é abalado e a produtividade cai. Então, o controle financeiro facilita as relações, o desenvolvimento intelectual e até a criatividade”, diz Eliana.

Além disso, a mulher é mais respeitada por todos quando atinge a maturidade financeira, ou seja: se tem um orçamento equilibrado, não gasta além do que ganha, não se endivida, possui reservas sólidas e não depende de ninguém, explica a psicoterapeuta Lana Harari.

É importante lembrar que submissão econômica não tem nada a ver com o valor do salário. Trata-se de uma questão afetiva, já que muitas mulheres se colocam na posição de vítima por opção. “Atualmente, diversos pesquisadores têm mostrado que, mesmo quando são independentes, elas ainda esperam o apoio dos homens no âmbito do dinheiro. Isso demonstra que ainda levará algum tempo para que a autonomia feminina deixe de ser sabotada pelas próprias mulheres”, explica Márcia.

Qualquer mudança de atitude diante do controle financeiro passa por admitir a insegurança ao lidar com o dinheiro. Muitas resistem a isso pelo medo de serem tachadas de incompetentes ou fracassadas, sobretudo pelos parceiros. “Assim como acontece com o dependente químico, a pessoa não quer reconhecer para os outros e para si mesma que tem problemas para lidar com o capital. Ela prefere se iludir e acreditar que possui o controle da situação, que a dificuldade é passageira e que vai conseguir revertê-la”, diz Lana.

Na verdade, não há motivo para ter medo. Se chegamos até aqui é porque somos capazes de ir além e transformar essa relação a qualquer momento. O caminho é encarar as próprias limitações, identificar e modificar comportamentos nocivos – e nisso a psicoterapia pode ajudar. Também vale investir na própria educação financeira, criar o hábito de ler as colunas especializadas e participar de cursos e palestras. Outro recurso interessante é contratar um consultor para analisar sua situação e sugerir estratégias.

Em nossa sociedade capitalista, não há como negar: dinheiro é poder. E, com a emancipação feminina, a busca pelo sucesso financeiro passou a fazer parte de nossas ambições. Assim, surge um novo tipo de mulher, muito mais objetiva e pragmática frente às questões econômicas. “Além de trabalhar, ser bonita e sedutora, ela ainda precisa tomar conta das atividades domésticas, dos filhos e do seu companheiro. Obviamente, vai deixar os homens assustados”, conclui Magaldi.

Quem é essa nova (super) mulher bem-sucedida?

» É independente emocional e financeiramente.
» É segura do que quer e de como vai conseguir.
» Confia em sua capacidade de obter sucesso.
» Esbanja disciplina, persistência e tem ampla visão de futuro.
» É capaz de traçar metas claras a curto, médio e longo prazo.
» Costuma manter uma relação saudável com o consumo desnecessário.
» Não se rende à satisfação imediata provocada por compras supérfluas.
» Sabe investir o seu capital, conhece e respeita o próprio perfil financeiro.
» Não usa o dinheiro como uma arma – um motivo para vingança e vitimação – ou para obter controle no relacionamento.
» Consegue manter o domínio mental e emocional em situações extremas.
» Preserva a intuição e a natureza feminina, mas não se deixa levar pelas emoções.
» Evita o otimismo exagerado que oculta problemas reais.

Fontes: Márcia Tolotti, Lana Harari e Eliana Bussinger
(Revista Bons Fluidos, Ed. de Junho/2010)


Atendimento Psicológico - em Botafogo
Contato: jessicacalderon.psi@gmail.com
Jéssica Calderon - CRP: 05/39344

4 comentários:

  1. Jessica,otima postagem,mas eu não me enquadro nessa super mulher.....eu sou tão medrosa pra tudo,insegura.....indecisa....queria não ser....mas sou..
    Estou aprendendo muito com sue blog.
    Beijos ,Sol

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  2. Nem eu sou essa super mulher.. hahaha
    Acho que não dá mesmo pra ser "o máximo", mas dá pra ser melhor...
    Eu também adorei esse texto!
    Na verdade eu preciso muitooo aprender com ele tb! É difícil usar o dinheiro de forma consciente! Mas eu quero aprender! Tá aí uma das minhas metas pra 2011!! =)
    Que bom que tem aprendido aqui coisas bacanas!
    Tava um tempinho sem postar, mas agora vou colocar temas novos!
    bjos, Solange!
    Fico feliz por vc aqui!
    Aliás, tem meu facebook? Add lá, rs.
    (Jéssica Calderon)

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  3. Otimo artigo, gostei muito!

    Sabriane De Antoni, Psicóloga Organizacional - RS

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  4. Que bom que gostou, Sabriane!
    Fico feliz por sua visita, uma amiga da área!!
    Sempre bem-vinda!
    Bjos

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